"A casa dos meus delírios literários"


Palavras escritas são como melodias perfeitas,
que precisam de ritmo
ou vão "gritar" aos ouvidos sem nada dizer.
- Kane Ryu


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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Segredo da Escuridão: Histórias Perdidas 16

Beatrice sempre me diz que se tem uma coisa que nunca muda, é o risco da humanidade descobrir aqueles que fazem parte da Sociedade das Sombras. Porque humanos que sabem o segredo da escuridão é algo que acontece frequentemente, se eles ficarão vivos é outra história.

O risco de serem expostos já é algo raro, pois sempre tomam muito cuidado, mas chegaram perto do caos algumas vezes. Nesses tempos negros, a união de todos os seres das sombras era vital, fosse seres que viviam em comunidades, em casais ou mesmo no isolamento. Por isso era comum os mais antigos criarem um elo de ligação com os jovens que morassem em seus domínios e alguns gostavam tanto do "trabalho", que era comum organizarem reuniões ou mesmo festas para reunir à todos. Fossem vampiros, lobos e todos os seres que viviam ocultos na escuridão.

Claro que, como em toda grande família, sempre tinham os entes queridos e os desafetos, o tio chato, a prima popular, a tia fofoqueira, ou mesmo aquele primo que sempre dizia que ia e nunca aparecia... E lá estava eu, em uma dessas festas cheia de seres que para o resto do mundo não passavam de lendas fantásticas, como minha amada vampira Beatrice.

Senti meu corpo estremecer ao entrar naquele salão de baile. Estávamos na famosa Veneza, Itália, em um dos vários bailes de máscaras que aconteciam pela cidade, durante seu famoso Carnaval.

Eu havia passado o dia indo e vindo no ônibus local, que em Veneza, por suas ruas serem canais, tratava-se de um barco. Beatrice queria que eu usasse a melhor roupa e sapatos e estando na Itália, isso não foi problema. Também passamos mais de uma hora pelas barracas repletas de máscaras das mais diversas. Máscaras que para os venezianos podiam ser apenas um adereço de seus trajes carnavalescos, mas para quem vinha de fora, eram como obras de arte de tão belas e ricas em detalhes.

No baile todos usavam as tão famosas máscaras, mesmo que as roupas variassem de simples trajes de festa as mais belas fantasias. Com seus rostos cobertos, eu só via seus olhos e neles um brilho sinistro quando me viam se aproximar. Os que usam máscaras do tipo que deixava a boca visível, até ensaiavam um sorriso de satisfação, que sumia assim que viam com quem eu estava. Pelo visto, a fama de Beatrice a precede, mas nenhum deles escondia sua natureza inumana, vampiros, a maioria deles, creio eu.

Beatrice também estava mascarada e usava uma espécie de toga, ou algo que lembrava o famoso traje romano, mas era vermelha e por isso a destacava entre todos no salão. Minha vampira não fazia aquele tipo mulherão descrito nas histórias humanas, era baixa, de cabelos loiros encaracolados e expressão de anjo renascentista. Como sempre usava roupas discretas, evitando maquiagem, revelava sua natureza juvenil de quando foi transformada, mas naquelas roupas, suas curvas de jovem mulher, deixavam qualquer homem certo que criança ela não era.

_ Trouxe um lanchinho?! _ disse um homem ao se aproximar de nós.

_ Olá, Cassius.

_ Olá, Julia.

Julia? Indaguei em meus pensamentos, mas nada falei. Em minhas investigações jornalísticas, na época que meu caminho cruzou com o de Beatrice, soube que ela usava tal nome, mas nunca tinha ouvido ninguém a chamar por ele. Seria seu verdadeiro nome?

_ Esse é Kane... Um amigo. _ diz Beatrice, ocultando o fato de sermos mais que isso.

Se bem que tecnicamente acho que ela não me via como seu amante, pois nunca havia me mordido. E pelo que pude perceber até então, morder alguém que o fazia ou não amante de um vampiro, pelo menos era o que parecia.

Cassius ensaia uma fala, mas desiste de dizer qualquer coisa, quando vê Lester e Luigi se aproximando de nós.

_ Eu já ia perguntar da dupla dinâmica. _ diz Cassius zombeteiro.

Para minha surpresa, Luigi, de aparência mais calma, que teve que ser impedido por Lester de pular no pescoço de Casssius. Lester diz a Luigi que não valia a pena brigar com Cassius, que era o que ele queria, um motivo.

_ Cassius, não tem nada para fazer? Não devia está verificando o perímetro do palazzo? _ diz Beatrice friamente.

Nos olhos de Cassius, que também via através de uma máscara veneziana, vi uma faísca de ódio brilhar e então ele fez uma sutil reverência para Beatrice e se afastou.

_ Ele realmente se acha! _ exclamou Luigi, ainda com Lester a segurá-lo.

_ Posso te soltar agora? _ indaga Lester olhando fixamente para Luigi, que então tirou os olhos da figura de Cassius se afastando e encarou o amigo.

Por um breve momento eles ficaram em silêncio, como se falassem mentalmente um com o outro, então Luigi fez um sinal positivo com a cabeça e Lester o soltou. Os dois eram amigos a séculos, pelo que sei, mas era em momentos como aqueles que eu pensava se não eram mais que isso.

Tinham um relacionamento complicado e Beatrice dizia que em parte era sua culpa. Ela havia tornado ambos vampiros, mas Luigi nunca aceitou bem o fato e sempre foi um problema. Apesar da aparente calma, Luigi era conhecido por seu gênio ruim e chamado frequentemente de “senhor demoníaco do pavio curto” e eu estava começando a perceber o motivo. O brilho no olhar de Luigi diante de Cassius era de um assassino sedento.

_ Kane, fique aqui com Lester e Luigi. Eu já volto. Não sai de perto deles.

_ Já sei. Sou um petisco aqui.

Pelas máscaras pude ver um brilho divertido nos olhos de Lester e Luigi, mas Beatrice tinha o olhar frio e simplesmente se afastou, sem nada dizer.

_ Quem é esse tal Cassius? _ perguntei.

_ Beatrice nunca te falou dele? _ indagou Lester se aproximando e me abraçando pelos ombros, como um velho amigo ao rever outro.

Luigi ficou do lado oposto ao de Lester. Parecia que eu tinha dois seguranças e depois de uma nova olhada pelo salão e de vislumbrar o brilho assassino em vários olhares na minha direção, acreditei que era essa a ideia dos dois vampiros. Bancar os seguranças.

_ Lester, se ela não falou nada, melhor não...

_ Ele foi o primeiro dela.

_ Você nunca pensa antes de falar? _ diz Luigi aborrecido, ao ser ignorado por Lester.

_ Primeiro?

_ Sim, o primeiro que ela tornou vampiro, mas depois que nos conheceu, as coisas ficaram estranhas. Cassius pode ser romano como Beatrice, mas de uma outra época, não gostava de dividi-la conosco.

_ Eu realmente apreciaria que não me lembrassem que foram amantes de Beatrice. _ comentei sem ocultar o meu ciúmes.

_ Relaxa. Isso é passado. _ diz Lester divertido e como usava uma máscara que cobria parcialmente o rosto, revelava um sorriso radiante e um tanto maroto, apesar dos ameaçadores caninos pontiagudos _ Além disso, você é o único que a faz perder o controle.

****

No decorrer da festa, comecei a me preocupar com a crescente irritação de Luigi. Beatrice estava sempre falando algo com alguém e naquela altura, parecia que estava em uma reunião de negócio, que uma ocasião social.

Minha preocupação aumentou quando Lester começa a reclamar do fato de Luigi não ter se alimentado, como tinha dito que faria.

_ Kane, por favor, não fala isso para a Beatrice. _ pediu Lester ao ver que eu tinha ouvido o comentário _ Ela arranca a cabeça do Luigi se souber que ele veio à festa e está aqui, junto de você, sem ter se alimentado.

_ Não vou falar e como ela não lê minha mente... Seu segredo está seguro. _ falei olhando para Lester e então para Luigi, que realmente não parecia bem.

O pior era o brilho faminto que Luigi lançou em minha direção, me causando calafrios.

_ Lester, Luigi está me assustando. _ comentei ao vê-lo dar um passo a frente, em minha direção.

_ Luigi, não! Ficou maluco? _ diz Lester ficando entre Luigi e eu.

_ O cheiro do sangue dele está me deixando louco! Se ele não tivesse vindo, eu estaria bem.

_ E foi por isso que Beatrice exigiu que se alimentasse... Depois sou eu quem não penso!

Lester olhou a sua volta e achou uma porta que dava acesso para fora do salão, como estávamos meio afastados da agitação, pois eu tinha me cansado de ser exibido feito o novo brinquedo de Beatrice, ninguém percebeu nossa saída. Havia um longo corredor e logo achamos um cômodo vazio.

_ Kane, presta atenção. Se Luigi não beber algo agora, teremos sérios problemas.

Arregalei os olhos.

_ Não se preocupe, não falo de seu sangue. Além do fato dele não ter controle suficiente para parar antes de te matar, Beatrice me mataria por permitir que ele te tocasse. Falo do meu.

Luigi havia se afastado de nós e se sentado num sofá distante, daqueles antigos finamente ornamentados, assim como tudo naquele cômodo.

_ Só quero que fique aqui, enquanto Luigi bebe um pouco do meu sangue.

Confesso que a situação me pareceu um tanto desconfortável, mas fiz um sinal positivo com a cabeça, sem nada dizer.

Lester se afastou e foi na direção de Luigi, que olhava o chão, como se procurasse algo.

_ Luigi, está me ouvindo? _ diz Lester com calma, assim que se sentou ao lado do amigo.

_ Tira ele daqui, Lester! _ pede Luigi quase gritando tirando a mascará do rosto e me olhando com a feição transtornada pela sede.

A essa altura eu e Lester também estávamos sem nossas máscaras e nos encaramos, tensos. Luigi me olhava com uma expressão maliciosa e revelava seus caninos sem pudor. Ameaçador. Dei um passo involuntário para trás e encontrei a parede, próxima da porta. Tive vontade de sair dali correndo, mas o que era um vampiro sedento diante de vários deles lá fora. Então fiquei parado ali, assistindo, em silêncio.

_ Luigi. _ chamou Lester com calma, ao mesmo tempo que pega o rosto do amigo e o faz olhar em sua direção _ Escuta, beba um pouco do meu sangue...

_ Não! Sai você daqui também! _ diz Luigi tentando se afastar de Lester, mas é impedido por ele.

_ Então está bem. Mata o Kane e Beatrice mata a nós dois.

Não vou menti, a frieza que Lester falou aquilo me assustou, mas logo Luigi encarava o amigo, daquela mesma forma cúmplice e silenciosa que vi no salão. Depois olhou rapidamente na minha direção, creio que se sentindo tão desconfortável com a situação quanto eu, para então morder Lester no pescoço.

Lester tentou manter uma expressão indiferente a mordida, mas acabou fechando os olhos e se entregando a sensação que ela causava.

Eu estava me sentindo muito mal diante da cena e apesar de ter prometido não sair dali, imaginei que ficar do lado de fora da porta, não seria assim tão perigo.

Foi o meu erro, pois assim que abri a porta dei de cara com Cassius, que estava no corredor e parecia procura algo ou alguém.

O vampiro não estava com sua máscara e revelava todos os seus traços romanos, tão conhecidos pela arte daquele povo, além do cabelo escuro e do corte curto, como dos soldados da Roma antiga. Uma aparência que contrastava muito com a de Lester e Luigi, pois ambos tinham longos cabelos, até os ombros. Luigi tinha cabelos escuros e olhos claros, herdados da família italiana, mas foi criado em Paris, onde a mãe foi morar depois de casar com um francês. Já Lester era loiro de olhos azuis e um típico almofadinha francês da época das roupas cheias de babados, famosas em filmes de época.

Antes que eu pudesse voltar para o cômodo onde Luigi e Lester estavam, Cassius me segurou pelo pescoço e me prendeu contra a parede oposta.

_ O que ela viu em você? _ questionou Cassius com desdém, me olhando da cabeça aos pés, posando os olhos por fim, em meus óculos, que jaziam no chão após ser pego com tanta brutalidade. _ Quem é você?

_ Escritor. _ respondi com dificuldade, pois ele me estrangulava.

_ O que ela ia querer com um escritor? _ diz irritado _ Saiba que vai usá-lo, até não ter serventia e se tiver muito azar, ela te amará e o condenará a essa vida maldita.

_ Cassius! _ escutei, surpreso, Beatrice chamá-lo.

Ela estava bem ao nosso lado e eu não era o único surpreso com sua súbita aparição.

Para minha surpresa, Cassius obedece e enquanto eu ia ao chão, ele encara o belo rosto de Beatrice, agora também sem máscara. Ela tinha seus longos e loiros cabelos encaracolados presos como os das antigas romanas e por um momento sua beleza me fez esquecer onde eu estava.

_ Acha que é muita coisa, só porque o chamaram para fazer parte da segurança dos membros de nossa sociedade? Vou te contar um segredo, não é. Basta um deslize, que vai perder qualquer privilégio. Agora fique longe do Kane, ou de qualquer outro dos meus, ou juro que vou terminar o que não tive coragem de fazer a séculos atrás.

Cassius a encarava sério e diante da ameaça direta, diz:

_ Então tome conta dos seus, ou eles mesmos vão acabar se matando, Julia.

Dito isso, Cassius me olha rapidamente com malícia no olhar e volta para o salão logo em seguida.

_ Você está bem? _ pergunta Beatrice se abaixando ao meu lado, preocupada.

_ Estou.

_ Que bom... _ diz docemente e então fecha a cara _ Está querendo morrer?! Qual a parte do “não sai de perto deles” você não entendeu?

_ Desculpe. _ engoli a seco, não sabia o que dizer.

_ Não foi culpa dele, Beatrice. _ diz Lester saindo para o corredor _ Luigi não estava se sentindo bem. Ele saiu do salão correndo, fiquei preocupado e fui atrás dele. Achei que Kane estava logo atrás, mas sempre esqueço que ele é só humano.

Não havia qualquer marca no pescoço de Lester e para minha surpresa, via pela porta escancarada da sala em que estávamos, que Luigi não estava na sala e a janela estava aberta.

_ Ok. Vai atrás dele. Estamos indo embora. O jato sai em 2 horas. _ diz Beatrice, após um prolongado silêncio, sem nada comentar sobre a suspeita situação.

Lester fez um sinal positivo, entrou novamente no cômodo e pulou a janela. Definitivamente Lester e Luigi tinham medo de Beatrice saber o que tinha ocorrido e Luigi, provavelmente, deixou o local para a vampira não sentir o cheio do sangue de Lester nele.

_ Não vi Cassius se aproximar. _ eu disse tentando atrair a atenção novamente a minha pessoa, já que ela tinha o olhar perdido na janela.

_ Tudo bem, mas precisa ter cuidado. _ Beatrice diz me olhando afinal _ Se é louco, ao ponto de querer tanto ficar ao meu lado, precisa ser cuidadoso, ou numa dessas acaba morto.

Beatrice me ajuda a levantar, me puxando com tanta facilidade que era evidente que não era uma mulher comum.

_ Não teríamos problemas...

_ Acha que não? _ diz Beatrice me cortando, já prevendo que eu falava, novamente, do fato dela ainda não ter me mordido _ Kane, não devíamos estar juntos, para início de conversa. Sabe disso... E mesmo não sendo famoso, é um escritor conhecido agora, não é mais um jornalista de jornal de quinta. Só isso já é uma má conduta entre os meus.

_ Eu sei. _ falei cabisbaixo.

Ela se aproxima sorrindo e beija a minha boca rapidamente. Só que eu não deixei Beatrice se afastar depois disso. Passei meus braços em torno de sua cintura e a abracei forte. Sabia que isso não a deteria, mas ela havia me evitado desde que chegamos a Veneza e não ia perder aquela chance. A beijei com paixão. Beatrice era controlada, mas Lester tinha razão, comigo sempre perdia o controle. Sorte minha, ou talvez nem tanto.

_ Para, Kane, ou não respondo pelos meus atos.

_ Não responda.

_ Você só pode ser maluco! Ou suicida... Confesso que o fato de não conseguir ler sua mente é mesmo irritante nessas horas. Já sei, você não deve ter nada na cabeça e é por isso que não consigo ler sua mente.

Eu ri divertido, ainda mantendo meus braços entorno dela.

_ Temos que ir. _ ela diz tentando se livrar do meu abraço gentilmente.

Beijei-a rapidamente na boca, como um moleque roubando um beijo da colega de escola, antes de soltá-la e minha atitude infantil a fez ri.

_ Você realmente não deve ter nada nessa cabeça! _ exclama Beatrice sorridente, me puxando pelo braço e seguindo pelo corredor, na direção do salão. Ela não sairia a francesa, como Lester e Luigi, ia se despedir de todos antes de ir para o aeroporto.


Nota: Esse conto, na verdade, é um trecho de 'Segredo da Escuridão', que foi postado aqui em forma de conto.

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2 comentários:

  1. Você é doido, Kane! Sério, total...XD Adoreei esse conto, ahaha! Mas e aí, o Luigi se alimentou ou não? xD Coitado..

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  2. Coitado? Luigi é o do contra... Quem vê, pensa que ele faz o tipo vamp de romance, mas aquele lá é um terror, literalmente falando. O.o

    Prefiro ficar bem longe dele. ;)

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