_ Pergunta. _ falou Beatrice finalmente.Já estavamos naquela "brincadeira" a pouco mais de uma semana. Desde que seu criador veio vê-la que estava estranha. Ela ia ao meu quarto enquanto eu dormia, ou melhor fingia, e andava de um lado ao outro, olhando e tocando meus pertencem em meio a escuridão. Eu só percebia o vulto indo e vindo, graças a luz da janela de vidro que entrava pelas frestas da cortina, mas ela via bem no escuro, era um vampira. Quando o vulto se aproximava da cama, onde eu me encontrava, fechava os olhos e me mantinha assim. Ela sentava ao meu lado na cama e então tocava meu rosto e cabelos com carinho e a carícia me fazia dormir. Ao acordar, sempre num sobressalto, eu a procurava em meio a escuridão, acendia o abajur e constatava que estava sozinho. Teria sonhado com ela, ou teria mesmo vindo? Se tratando de Beatrice, sempre ficava na dúvida.
Hoje não foi diferente, mas dessa vez eu não dormi enquando ela acariciava meu cabelo. Me obriguei a ficar acordado, mas não esperava que ela tivesse percebido que não dormia. Ela dizia que nunca pode ler meus pensamentos e novamente a dúvida me tomou por inteiro.
Abri os olhos e encontrei a luz do abajur acesa. Beatrice a tinha acendido e me olhava com atenção.
_ Como sabia que estava acordado? Leu minha mente? _ eu questionei me mantendo deitado na cama, só erguendo o rosta na direção dela.
_ Quantas vezes terei que dizer que não leio a sua mente, Kane?
_ Então como soube, Beatrice?
Ela sorriu maliciosa, deixando seus pequenas mais super afiados caninos a vista, então falou:
_ Pelas batidas do seu coração. Estavam muito aceleradas para quem devia estar dormindo. Nem que tivesse tendo um pesadelo.
Fiquei meio sem jeito e escondi o rosto no travesseiro instintivamente, fazendo-a ri.
_ Vai, pergunta. _ Beatrice insistiu _ Aproveita que estou disposta a te responder.
Levantei a cabeça e fiquei apoiado no meu cotovelo. Eu estava deitado de bruço, enquanto ela estava sentanda na cama, recostada na cabeceira. Usava seu costumeiro jeans surrado, blusa preta com estampa de caveira e tênis. Não gostava de chamar atenção ao sair pelas ruas do Rio.
_ Por que quis se tornar uma vampira? _ perguntei.
_ Por que quer saber logo isso?
_ Responder com outra pergunta não vale, Beatrice. Você falou que estava disposta a responder...
_ Mas é curioso você querer saber logo isso, quando tem tanta coisa a ser esclarecida sobre quem sou.
_ Verdade. Só que fico imaginando o que faria uma... aparente adolescente, como você, desejar tanto ser uma vampira. O que de tão grave fez que conseguiu até ferir o orgulho de um vampiro de milênios de idade.
_ Está curioso em saber como e, principalmente, o motivo que me fez seduzi-lo? Está com ciúmes por ele ter vindo me visitar?
_ Talvez.
Beatrice parecia divertida com a ideia de sentir ciúmes dela. Seu sorriso era de menina, mas tinha uma malícia no olhar que só uma mulher adulta podia ter. Sedutora, beijou minha boca rapidamente, antes de continuar a falar.
_ Perguntou sobre o que seria de tão grave... Devo imaginar que só alguém com um problema sem solução, ou quem sabe perdidamente apaixonada, seria capaz de desejar ardentemente ser uma vampira. Ao ponto de seduzir um vampiro antigo e, poderia dizer, perigoso.
_ E não seria assim?
_ Acho que você devia parar de ler qualquer coisa que tem "vampiro" escrito na sinopse. Isso tem cara de melodrama barato.
Eu ia responder, mas resolvi ficar quieto e esperei pela resposta.
_ Kane, o problema é que humanos sempre temem o que não entendem. O que é o sobrenatural? Só o que não possui explicação natural. E o que é o natural? É algo que já foi explicado. Milênios atrás adoravam o sol como se fosse um ser pensante, hoje sabemos que é uma estrela. A Terra já foi quadrada, já foi o centro do Universo... E o fato de nunca termos visto outras civilizações inteligentes, não quer dizer que estamos só no Universo.
_ Acho que você está querendo me enrolar com essa história, para não me responder o que te perguntei, Beatrice.
_ O que eu quero dizer é que, um humano só pede para se tornar um vampiro em casos extremos, quando não sabe o que é ser um vampiro.
_ E você sabia?
_ Eu fiz parte de uma família importante romana e diferente da maioria das filhas de Roma, eu fui amada por meu pai. Ele foi o pai que nenhuma podia sonhar em ter. Eu era sua única filha e além de querer me fazer as vontades, atendia até as mais loucas, na época, como estudar e aprender a lutar; coisa que só homem fazia naqueles tempos. Por isso, poderia te dizer que eu era bem mais esperta que as garotas da minha idade. Além disso, digamos que cresci convivendo com o Segredo da Escuridão, ou seja, eu sabia exatamente o que queria e onde me metia, quando seduzi meu criador.
_ Mas você era uma menina! Quantos anos tinha?
_ Tinha 15 anos...
_ Está vendo! O que podia saber da vida?
_ Nessa idade, em Roma, eu já devia ser uma mulher casada e talvez até com filhos. Só não fui porque enrolei meu pai e consegui vivar vampira antes.
_ Então foi isso. Queria se livrar do casamento.
_ Sim, mas teria fugindo da situação de uma forma ou outra. Nunca aceitei essa ideia que a mulher tinha que ser submissa por ser inferior, que mulher tinha que viver para servi o homem, ou mesmo que preciso de um para ser feliz.
As últimas palavras me pareceram uma indireta, mas me fiz de besta e deixei ela continuar a falar. Não sei se ela continuaria aquela conversa se comentasse o fato dela ainda morar com dois de seus ex-amantes.
_ Lester e Luigi eu amei em outros tempos, em uma outra vida.
_ Você está lendo a minha mente e está me enrolando.
_ Você é muito previsível. Está na sua cara. _ ela tocou meu rosto com carinho por um momento _ Acho que ninguém tem que viver dependente de ninguém, devemos amar com liberdade. Amar de corpo e alma. Porque deixar se levar pelos instintos é coisa de bicho. Sou uma vampira, não um morcego hematófago. Verdade que no início foi complicado lidar com os instintos animalescos e meu lado racional algumas vezes perdia feio. Quantas vezes desejei me levar pela natureza predadora... Alias, como muitos fazem por ai até hoje, inclusive humanos. Já vi humanos serem tão bestiais, até mais que um vampiro.
_ Está querendo me dizer que não só quis se tornar vampira, como gosta de ser uma.
_ Vim a esse mundo para ser quem sou, uma vampira, é isso que quero dizer.
Beatrice sempre me surpreendia, sua sinceridade me constrangia, sua determinação me intimidava, mas sua paixão por quem era me fascinava. Ela era adoravelmente assustadora.
Eu a trouxe para meus braços e ela me deixou beijá-la, mas quando eu tentei ir um pouco além, Beatrice sumiu.
_ Qual é, Beatrice?!
Escutei ela ri próxima. Estava perto da janela, agora aberta, e bastou eu piscar para desaparecer.
Essa vampira queria me enlouquecer, só podia.
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