"A casa dos meus delírios literários"


Palavras escritas são como melodias perfeitas,
que precisam de ritmo
ou vão "gritar" aos ouvidos sem nada dizer.
- Kane Ryu


HOME - MY LIVEJOURNAL - MY TWITTER - CONTOS SOBRENATURAIS - RÁDIO DIGITAL RIO ONLINE


sábado, 16 de outubro de 2010

Segredo da Escuridão: Histórias Perdidas 12

"O mundo real é algo inventado pela humanidade para explicar o inexplicado, que varia com a época, com os pontos de vista e com as coisas que temos coragem em dizer em voz alta." - Kane Ryu


Quando ele entrou, atrasado ao encontro, foi impossível não reparta nele. Afinal, era um tipo não muito comum no Rio. Loiro, alto de olhos azuis, uns 20 anos, cara de garoto maroto e um sorriso de derreter iceberg.

O encontro de fãs de E.H.Mattos tinha tipos bem variados e de faixas de idade diversas também. A autora escrevia para um público bem diversificado, já que em seus livros havia ação, romance, conflitos, histórias triste e outras mais felizes. Era difícil alguém que gostasse de literatura fantástica resistir as histórias da autora, sempre encontrava algo que o fazia querer ler mais. Fosse um personagem interessante, ou uma trama em particular. Sem contar as histórias de conspiração como subtexto, que trouxe fãs incomuns para o fandom de Mattos. Alguns juravam que a sociedade dos vampiros, mencionada nos livros de E.H.Mattos, era real... O fandom de Arquivo X, é claro, o qual ficou órfã e tinha achado nos livros da autora, um novo lugar para debater as conspirações. Os excers são legais, mas meio paranóica com essas coisas de conspiração. Eu particularmente acho que se vampiros existissem, já teríamos trombado com algum. Se bem que, provavelmente, quem trombasse com um não iria conseguir contar a história. Afinal alguns tinham a capacidade de apagar a mente alheia. Mas também tinha a possibilidade de não sobreviver ao encontro... Será que os excers tem razão?


Em fim, voltando ao encontro dos ‘Loucos por Mattos’, o rapaz atrasadinho não chamou só a minha atenção. Todas as garotas no salão de eventos da livraria, não conseguiam parar de olhar para ele. Já os rapazes, como meu amigo João, o olhavam com desconfiança.

_ Claudia, quem é aquele cara?

_ Não faço idéia, João. Nunca o vi nem no Skoob... E não começa com seu papo de excer.

_ Vai me dizer que não achou ele muito parecido com a descrição do “seu” loirão. _ diz João fazendo uma careta.

Era engraçado que todos os fãs do time dos Bolinhas se comportavam assim, eles tinham um ciúmes inexplicável pelo personagem de Mattos mais gato e querido pelas Luluzinhas.

_ Só falta o chapéu de malandro! _ comentou João, ainda de cara feia, olhando rapidamente para o loiro, que havia sentando em um canto afastado e só observava, calado.

Droga, eu não queria admitir, mas o João tinha razão e não era o única que tinha pensado nisso, já que o ti-ti-ti entre os presentes era grande.

Como era o primeiro encontro dos fãs no Rio, resolvemos nos apresentar e quando chegou a vez dele, uma estranha calmaria fez o clima ficar muito esquisito, o suficiente para o rapaz sorri divertido e dizer:

_ Meu nome é Felipe... Infelizmente.

Gargalhadas. O rapaz tinha percebido qual era o motivo de tanta atenção para ele.

Uma das organizadoras não resistiu e falou a respeito do que todos falavam aos sussurros.

_ Você já deve ter ouvido isso, mas tem uma aparência semelhante a descrição...

_ Do queridinho das fãs de Mattos. Eu sei! _ comentou Felipe, fazendo uma careta igualmente solidária com a dos outros rapazes presente.

Depois disso os Bolinhas logo se debandaram para o lado dele, vendo que era um ‘cara, maneiro’, já que dividiam a aversão ao meu loirão... Meu e de todas as outras fãs, infelizmente.

“Uma pena! Se fosse ele, oferecia meu pescoço de bom grado”, pensei olhando na direção de Felipe.

No exato momento que pensei na oferta, o rapaz olhou na minha direção e sorri de forma enigmática. Na hora fiquei sem jeito, como se tivesse dito tal coisa em voz alta e ele tivesse ouvido, mas definitivamente não tinha falado nada em voz alta.

No decorrer dos debates sobre os livros, surgiu conversa sobre literatura nacional verso a literatura internacional. Mattos era conhecida internacionalmente, sua família era da Itália, Veneza, mas o que pouca gente sabia era que ela tinha nascido no Brasil. Parte da família era da cidade de São Paulo, onde ela nasceu, e hoje em dia morava reclusa em Penedo, no interior do estado do Rio de Janeiro.

_ Mattos é um exemplo que a literatura brasileira é tão boa quanto a internacional. _ disse João que era um fã apaixonado, não só pelas histórias de Mattos, como por vários autores brasileiros que tinha descoberto através da autora.

Ele é o que eu chamo de geração de jovens leitores, mesmo que já tivesse passado dos 30, pois cresceu vendo séries de TV. Fãs de Arquivo X, Stargate e séries das mais variadas, além de fã da saga Star Wars de carteirinha, João me confessou que não era de ler até virar fã de Arquivo X. Série essa que trouxe um pouco de literatura fantástica para o Brasil no final do século XX, junto com novelizações de episódios.

_ Ninguém descorda disso, mas a crítica sempre vai cair de pau em quem escreve literatura fantástica e, principalmente, para o público geral. Isso é irritante! _ diz Louise, a principal organizadora do encontro.

_ Pior é querer que os adolescentes leiam livros clássicos na escola, quando não tem maturidade... _ eu não resisti em dizer _ Desculpe, sei que temos adolescentes aqui, mas vocês são exceção a regra. Não se forma uma geração de leitores, com literatura que possui um linguajar de 100 anos atrás, muito menos com texto complexos. São os Monteiros Lobatos, sempre adaptados, que vão incentivar a leitura e é disso que o Brasil precisa.

Logo a discussão tomou um ar político, até porque havia alguns pretensos escritores entre o grupo reclamavam da falta de incentivo aos autores iniciantes, que em meio a busca por um espaço no mercado, já tinham escutado coisas do tipo:

“Não publicamos literatura fantástica, só literatura brasileira. ”(E o livro está escrito em inglês, por a caso?)

“Sua história é boa, mas você não é um escritor conhecido, então não podemos publicá-lo.” (E como virar um escritor conhecido sem ter livro publicado?)

Entre outras barbaridades, que nem vale perder o tempo escrevendo.

As conversas iniciadas na comunidade, pessoalmente foram muito mais divertida e produtiva, o que fatalmente terminou na certeza que seria o primeiro de muitos outros encontros.

O loirão... Falo do Felipe, ouvia tudo calado, sorria divertido com alguns comentários. E até o vi trocar idéias com alguns dos rapazes no final do evento. Pela cara dos Bolinhas e as risadas sacanas, deviam estar falando das vampiras “gostosas” dos livros.

Eu sai antes do João, pois domingo tinha uma quantidade menor de ônibus e eu não queria mofar no ponto.

Enquanto esperava o ônibus, me assustei ao perceber que Felipe estava no mesmo ponto que eu, mas eu não o tinha visto chegar.

_ De onde você veio, que não te vi?

Ele sorriu e se aproximou como quem não quer nada.

_ A oferta está de pé?

_ Oferta?

Numa fração de segundos minha ficha caiu... Só que antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, o loiro tinha me envolvido em seus braços, me impedindo de fugir.

_ O que está fazendo? Me solta! _ eu disse, enquanto mentalmente tentava me convencer, que ele não podia ser um vampiro, pois vampiros não existem.

_ Como pode ter certeza que não existimos, se nunca viu um?

Até aquele momento, eu não tinha olhado diretamente nos olhos do loirão. Eu tentando arrumar um jeito de escapar de seu abraço, mas quando ele me falou aquilo, que significou que tinha lido minha mente, instintivamente o encarei... Péssima ideia!

"Nunca olhe nos olhos de um vampiro", é uma das coisas que Mattos sempre fala nos livros.

Depois disso, eu me lembro de despertar dentro do ônibus, no ponto final, que por sorte era no bairro que eu morava.

_ Já chegamos. Ou você quer voltar comigo. _ disse a Maria, sorrindo, fechando um livro que pareceu ter terminado de ler.

Como trabalhava perto da livraria onde foi o encontro, eu sempre pegava aquele ônibus e já conhecia os motoristas e trocadores. Maria era uma das trocadoras que eu sempre via entre idas e vindas do trabalho. E volta e meia eu indicava livros a ela, já que gostava de ler quando tinha uma folguinha, entre as viagens do ônibus.

Sou professora e é sempre um prazer ver as pessoas lendo. Nosso país precisa ler mais e nunca é tarde para adquirir o hábito da leitura.

_ Como cheguei aqui?

_ Como assim?! _ questionou Maria _ Você abuso na birita, não foi?

_ Eu não...

Achei melhor deixar quieto, melhor pensarem que bebi além da conta... O que ia dizer? Que encontrei com um vampiro? Camisa de força na hora!

Sorri sem jeito para Maria, sem comentar nada, deixando-a pensar o que quisesse.

Enquanto seguia para casa, achei que a rua estava deserta, mais que o normal, para o início da noite de um domingo. Verdade que a Zona Norte do Rio não é tão animada aos domingos, quanto a Zona Sul (que tem agitação 24 horas por dia), mas aquela calmaria era estranha.

Cheguei ao prédio em que moro e vi a portaria fechada. O porteiro abriu o portão e eu entrei rápido, buscando pelo relógio do meu celular, incrédula. Era o que eu temia, já passa das 23 horas. Eu simplesmente tinha "perdido" umas 5 horas das minhas lembranças. Não lembrava de onde estive, com quem e como fui para no ônibus. Era como se as últimas 5 horas tivesse sido apagadas da minha mente.

Estremeci com a ideia, quando então ouvi o porteiro cumprimentar um morador que chegava.

_ Você viu a marca de mordida no pescoço dela? _ escutei o porteiro indagar ao longe.

_ Parece que a noite foi boa. _ comentar o morador rindo.

Continuei andando, sem ter coragem de virar para trás e confirmar se falavam de algo no meu pescoço. Foi então que a tensão me fez senti uma dor leve. No elevador, afastei meus cabelos e pude ver no espelho, que no lugar dolorido do meu pescoço havia um ferimento. Era uma mordida.


Relato de uma outra fã das histórias de vampiro de E.H.Mattos, transcrito por Kane Ryu.


Nota: Conto dedicado aos amigos de verdade, pois a verdadeira amizade não tem preço e é por ela que vale viver.

Todos os Direitos Reservado - 2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário