"A casa dos meus delírios literários"


Palavras escritas são como melodias perfeitas,
que precisam de ritmo
ou vão "gritar" aos ouvidos sem nada dizer.
- Kane Ryu


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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Segredo da Escuridão: Histórias Perdidas 10

"Quando se vê além do mundo dito real, uma simples viagem pode ser mais emocionante que as pessoas normais podem imaginar." - Kane Ryu

Desde que conheci a ruiva que sempre fica irritada quando a chamo pelo nome, mas que parece começar a aceitar o apelido que dei a ela, que minha vida chata de jornalista de jornal de interior deixou de ser... Assim tão chata.

O mais incrível foi saber que meu ex-cunhado não ficou nem um pouco surpreso, quando me pegou com Charlotte na piscina da casa do meu pai, no último Natal, a qual estava completamente nua... Por quê? Porque os dois se conheciam.

Não é nada do que estão pensando.

_ Oi, Kane! _ diz Charlotte ao vê-lo, sem ficar nem um pouco abalada pelo fato de está completamente nua, comigo, dentro da piscina.

_ Como assim?! Vocês se conhecem? _ perguntei olhando para ambos alternadamente, incrédulo.



_ Temos uma amiga em comum. _ diz Kane se jogando em uma das cadeiras da piscina, parecendo totalmente alheio ao fato de ter uma garota nua na água.

Será que o problema sou eu, que fui criado em uma cidade de interior como Resende? Ou o fato de Kane ter sido criado no Rio de Janeiro, terra do Carnaval, das praias e de mulheres com gosto pela nudez é o caso?

_ A vampira pela qual ele é gamado! _ comentou Char antes de perceber, pela minha expressão de choque, que tinha falado além da conta _ Opa, desculpe Kane, eu esqueci que você é casado com a irmã do Ben...

_ Relaxa! Acabamos de comunicar ao Coronel que vamos nos separar. _ diz Kane com uma expressão indiferente, que talvez explicasse seu ar distante e o motivo de "fugir" para a área da piscina e não ter se espantado com a Charlotte nua.

(Nota: Escute o audioconto 'Segredo da Escuridão - Uma Nova Tradição' que explica a garota nua na piscina no último Natal.)

_ Vampiros? Vocês dois estão querendo me enlouquecer! _ eu disse em pânico.

E foi assim que soube que além de lobisomens, existia também vampiros. Claro que depois que se descobre tal coisa, é inevitável ver além do mundo dito real.

***

No ano seguinte a tal descoberta, minha ida a Bienal do livro de São Paulo, foi um pouco diferente que das últimas vezes, por conta da revelação.

Como sempre faço a cada ano, 1 ano vou a Bienal do Livro no Rio e no outro em São Paulo; mas naquele ano minha ida a Bienal da capital paulista foi uma experiência de outro mundo.


Era uma manhã fria, típica de agosto em Resende. E ainda no ônibus, na rodoviária, rumo a São Paulo, percebi que a viagem prometia. Peguei o primeiro ônibus do dia e como era inverno, a manhã estava bem fria, o que me fez vestir até luvas e casaco com toca. Estava gelado e só o fato de ser uma amante da boa literatura, podia explicar o fato de a cada ano me dispor a tal maratona. Pelo menos quando era no Rio, eu ficava na casa da minha irmã e Kane... Se bem que com a separação, já não sabia de mais nada.

Eu já estava sentado na janela, como sempre, pois comprava minha passagem antecipada só para viajar na janela. E sempre ficava na torcia para ninguém sentar do meu lado. Assim podia viajar bem a vontade. Enquanto arrumava minhas coisas, distraído com meus preparativos para encarar as longas horas de viagem até São Paulo, escolhia o livro para ler e via qual CD de mp3 eu ia ouvir pelo caminho; alguém sentou ao meu lado.

Em geral, às viagens para São Paulo sempre demorava mais que o normal, pois ficar engarrafado na entrada da cidade era de lei, então era vital ter algo para distrair. Porém ficar com as duas poltrona também ajudava, até porque eu sempre acabava dormindo durante a viagem.

"Droga!", pensei assim que a pessoa sentou ao meu lado.

_ Um cavalheiro deixaria a dama sentar na janela. _ escutei a inconfundível voz de Charlotte.

_ Char?! O que, diabos, está fazendo aqui?! _ olhei para ela sem acreditar.

_ Vou a Bienal, por quê? Acha que estou te seguindo?

Olhei para ela e diante do sorriso cínico de Char, achei melhor ficar calado. Eu nunca consegui prever o que passava naquela cabecinha ruiva. Além disso, sempre tinha o fato que ela podia virar uma loba e me trucidar.

Ok, talvez seja um exagero a parte do "trucidar", mas não a conheço o suficiente para dizer do que ela seria ou não capaz. Nas lendas os lobisomens sempre são seres violentos, beirando a bestialidade e ninguém podia me garantir que ela não tem tal lado.

_ Eu não vou sair do meu lugar. Se queria tanto ir na janela, porque não comprou...

Ela me beijo de súbito e logo de gelado, eu me sentia acalorado. Charlotte tinha o dom de me surpreender e distrair minha mente, ao ponte de esquecer de respirar.

_ Não vai sentar na janela. _ eu disse assim que ela afastou sua boca da minha.

_ Eu não ligo. _ diz Charlotte por fim, se aconchegando ao meu lado.

Eu não estava entendendo nada e apenas fiquei na minha. Já desistindo de tentar entendê-la.

Não consegui dormir com Charlotte ao meu lado, então li um pouco e escutei músicas aleatórias no meu surrado aparecelho de CD mp3. Entre elas haviam algumas músicas do tempo da minha irmã adolescente, que eu tinha gravado no CD por engano. Dessas músicas havia a trilha de algumas novelas da década de 1980. Uma delas, da novela Ti Ti Ti, incluía uma curiosa música nacional chamada 'Lobo'.

Eu tive que ri. Música perfeita para aquela momento.

Observei Char atento. Era a primeira vez que eu pude observar minha lobinha sonhando. Era intrigante vê-la dormindo, tranquila, parecia um anjinho... Quem via até acreditaria que era uma doce mocinha inocente de cabelos de fogo.

Fiquei tão perdido em sua beleza, ao som do velho hit, que foi irresístivel não beija-lhe a boca, sempre rubra.

Charlotte despertou e me beijou com paixão, me deixando na dúvida se dormia mesmo, ou tinha fingindo dormir aquele tempo todo. Não conseguia pensar direito quando estava com ela, essa era a verdade. Char me tirava a razão e logo me deixei levar por aquele beijo, sem ligar se alguém nos observava incomodado na poltrona ao lado.

***


No decorrer da viagem eu e Char ficamos quietos, braçados e acho que cochilei. Claro que ficamos engarrafado na entrada de São Paulo, mas quando abri os olhos, Char me sacudia, avisando que tinhamos chegado a rodoviária Tietê.

Assim que colocamos os pés na rodoviária tudo transcorreu bem. Pegamos o ônibus que nos levou até o Parque de Exposições Anhembi, que era praticamente ao lado da rodoviária e logo estavamos na Bienal.

Eu, feliz feito criança no parque, deixei Char surpresa com minha provável cara de maníaco por livros.

_ Nossa, nunca imaginei que você fosse nerd! _ diz Char sorrindo divertida.

_ Vou levar o comentário como um cumprimento. _ retruquei.

Ela caiu na gargalhada, parece que não era só ela que surpreendia naquele estranho relacionamento.

_ O que veio fazer aqui, Char? Você não tem cara de gostar de livros. _ eu quis saber, antes de começar a maratona pela Bienal.

_ E por que não? Só porque sou ruiva, tenho um belo corpo, um rosto lindo...

_ É modesta. _ aproximei dela e sussurrei em seu ouvido _ E que também vira uma loba?!

_ Olha o preconceito! _ diz ela mantendo o tom baixo, falando bem próxima _ Será que sempre seremos vistos como força bruta? Um vampiro pode ler poesia, mas um lobo não...

Ela falou tão séria que me senti mal, até Char não se conter e cair na risada.

_ Ok, eu até leio, mas realmente sou da turma do audiovisual. _ disse afinal _ Adoro ir ao Rio para ver os lançamentos no cinema... Mas gosto de ler alguns gêneros de livros.

_ Tipo?

_ Bom... Tipo literatura fantástica. Adoro livros sobre lobisomens ou que tenha algum lobo... São divertidos! Imagina se um lobo de verdade vai andar só de bermuda!

_ Claro, por que usar roupas?!

_ Exato.

_ Eu estava sendo sarcástico.

_ Estava? Nunca consigo entender o sarcasmo humano.

_ Eu mereço!

***

Desisti de perguntar, então fiz Charlotte andar por toda a Bienal, entrar em cada stand e nas filas de autógrafos para falar com os autores de alguns dos livros que eu tinha comprado. Também comprei uns livros sobre Lobisomens para Char. Havia umas coletâneas legais, antologias e alguns lançamentos interessantes, que incluia livros brasileiros. Apesar disso, os vampiros pareciam ter dominado o mercado editorial do Brasil. Haviam livros traduzidos do estrangeiros como nacionais. Eu acabei comprando vários, afinal era hora de começar a pesquisar aquela história toda.

O mais divertido foi ver Char "interrogando" os autores dos livros que comprei para ela, querendo saber de onde tiravam inspiração e por que os lobos sempre eram homens bestiais.

Sorte dos autores que não estavam presente naquele dia.

***


_ Realmente não entendo porque um lobosimem não pode ser uma garota como eu. _ diz Char enquanto seguiamos para o ônibus, já na rodoviária Tietê, após comprar as passagens.

_ Nas lendas sempre falam de homens pelo pouco que sei...

_ Já andou pesquisando?!

_ Estou saíndo com uma lobisgirl, vai me censurar?

_ Não, mas saiba que nas lendas sobre vampiros sempre falam de mulheres. As femme fatale. No entanto, falou em vampiro todo mundo lembra do Drácula... E ele não é lá tudo aquilo que dizem.

_ Você conhece o Drácula?

_ Só de vista...

_ Está brincando, não é? O Drácula não existe!

Char sorriu, mas não respondeu. Acabando por me deixar na dúvida se afinal o famoso conde-vampiro existia ou não.

Eu andei tanto, que ao sentar na poltrona do ônibus que ficava na janela, até esqueci de ser educado e perguntar se ela queria sentar na janela. Porque naquele caso, estavamos juntos, mas como Char se sentou em seguida ao meu lado e se aconchegou como fez antes, ficamos por isso.

Só que ela estava incomodada com um rapaz de longos cabelos loiros, chapéu em estilo malandro da Lapa carioca e olhos tão azuis que pareciam ter brilho próprio, o qual estava sentado na poltrona do lado oposto ao nosso. Ele tinha uma jovem de longos cabelos negros ao seu lado, sentada na janela, e logo eu soube qual era o problema de Char com o loiro. Vi o rapaz mergulhar o rosto em meio aos cabelos da jovem, a qual gemeu baixinho, parecendo deliciada com sabe lá o que ele fazia.

Claro que antes de conhecer o segredo da escuridão, eu ia imaginar qualquer coisa diante daquela situação, mas de repente um choque percorreu meu corpo e a palavra "vampiro" surgiu na minha mente.

Antes que eu pudesse falar algo, me vi sendo puxado por Charlotte até o banheiro do ônibus.

Todos dormiam, afinal era o último ônibus ruma a Resende. Então ela nem disfarçou quando me fez entrar no banheiro minúsculo com ela.

_ Ficou doida?! _ eu exclamei quando ela nos trancou no banheiro.

Charlotte não disse nada só me agarrou. A princípio eu fiquei sem reação, mas tenho que admitir que ela sabia muito bem como me fazer reagir e seus beijos me fizeram esquecer o vampiro, a razão e me entregar as suas carícias provocantes.

***

Quando deixamos o banheiro, eu estava exausto e apaguei assim que sentei na poltrona, acordando só em Resende. Ou melhor, acordado por Charlotte. E foi quando eu tive uma súbita lembrança.

_ Vampiro! _ exclamei num tom baixo, olhando a poltrona ao lado da nossa, assustado, que agora se encontrava vazia _ Era um... Não era?

_ Sim, era um vampiro. Desculpe, eu tive que pensar rápido, ou ele podia captar seus pensamentos e ai teríamos problemas. Não é todo vampiro que gosta de se expor para um humano e deixar barato.

_ Está falando que me levou para o banheiro... Bom, para me distrair?

_ Funcionou, não funcionou? _ diz Charlotte com um sorriso malicioso _ Mas eu também queria me distrair durante a viagem.

_ Se distrair?!

_ Cada um se distrai como gosta.

_ Ele já foi mesmo?

_ Esperei ele sair para te acordar.

_ O que ele faria se...

_ Nem quero saber. Eu nunca sei o que passa pela cabeça de um vampiro. Eles são imprevisíveis. Podem ser gentis certas vezes, mas em outras...

Char resolveu parar de falar, provavelmente diante da minha cara de assustado e me puxou pelo braço, pegando minha mochila pesada, cheia dos nossos livros, como se estivesse vazia, e me fez sair do ônibus.

_ Agora vamos, ou acabamos em Volta Redonda. _ diz ela me lembrando que Resende não era o ponto final do ônibus.

Relato de Ben, transcrito por Kane Ryu.


Nota: Um Conto! É isso é o que acontece, quando uma mente criativa fica parada por mais de 40 minutos, na Via Dutra, enquanto a ansiedade para chegar a Bienal do Livro em São Paulo é grande. (Escrito durante a viagem para a Bienal do Livro de São Paulo, 13 de agosto de 2010).


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2 comentários:

  1. Puxa, bem que você poderia ficar parado por mais tempo, hein??? Adorei total!! Hahaha, a vampira indo pra Bienal! Que pena (?) que não a encontrei....XD

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  2. Valeu! Nerd no meio de livros que é um "perigo"! ;)

    Não é a primeira Bienal que me inspira. Romeu, Julieta e a vampira rolou em 1997, mas só escrevi em 2001... Ou seja, eu pensei em adaptar os clássicos muito antes da moda atual. :D

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